AIDS-Uma questão a ser entendida...

10-12-2010 06:52

 AIDS E JOVENS PORTADORES

No contexto da prevenção do HIV/aids, a inovação elementar foi,
em termos de Saúde Pública, a compreensão de que a discriminação contra as pessoas infectadas pelo vírus, ou daquelas que vivem com aids, precisava ser enfrentada. Assim, tornou-se de fundamental importância a inclusão e a participação ativa destas pessoas na elaboração e implementação
de políticas públicas, programas e ações destinados a responder à expansão da epidemia por todo o planeta. A discriminação foi identificada como
um trágico e contraproducente efeito da pandemia.
A efetividade dessa inovação foi sendo reafirmada durante essas
duas décadas de epidemia no Brasil. A participação de pessoas que vivem
com o HIV ou com aids em atividades desenvolvidas por programas
governamentais, em ações continuadas de intervenção e prevenção realizadas por Organizações da Sociedade Civil, em seminários e conferências
promovidos por diferentes setores de ensino, além das palestras e oficinas
implementadas por organizações privadas, têm sido de suma importância
no que se refere à desmistificação da doença e a superação do preconceito
que marcou, ou ainda marca, as vidas das pessoas atingidas por ela.
No ano de 2002, mais de 20 anos decorridos após o início da eclosão
da epidemia de HIV/aids no mundo, pode-se contabilizar uma grande
evolução, sobretudo tecnológica, com a produção de medicamentos e a
utilização de terapêuticas que impedem, na grande maioria dos casos, a
replicação do HIV no corpo humano e o surgimento de doenças oportunistas, e evitam a transmissão ver tical do vírus.
Ainda não se tem a cura da aids e tampouco se sabe como retirar o
HIV do organismo humano, mas certamente se vive em um novo tempo
da epidemia.
Tendo em vista o estímulo que vem sendo dado à participação
mais efetiva dos jovens no enfrentamento da epidemia de aids, e o incentivos a formulação de estratégias de fortalecimento desse segmento
populacional em termos de exercício da cidadania, torna-se de fundamental importância a inclusão do jovem portador nas ações
implementadas nessa direção.
Com a aids, eu aprendi duas coisas: O que é
preconceito... E o que é solidariedade.”
Publicação Letícia e Daniel Falando sobre Aids58
série EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE volume 1
Mesmo que, nos dias de hoje, tenhamos conseguido promover uma
maior conscientização sobre os efeitos negativos provenientes da discriminação e exclusão das pessoas que vivem com HIV/aids, ainda perduram, no senso comumde nossa sociedade, reações preconceituosas dirigidas
a elas. Vivemos hoje a proximidade com uma primeira geração de jovens
infectados ou afetados pelo HIV.
Por outro lado, o envolvimento e o comprometimento da popula-
ção jovem no enfrentamento da epidemia, considerando as questões associadas ao preconceito em relação às pessoas vivendo com HIV/aids pode
ser uma estratégia bem sucedida para eliminar a discriminação e para garantir seus direitos.
A inclusão de jovens portadores nos programas dirigidos ao fortalecimento do protagonismo juvenil pode propiciar a eliminação dos preconceitos ainda existentes, facilitar a discussão sobre a vivência da afetividade
e da sexualidade nos novos tempos da aids.
Adicionalmente, esta reflexão também reforça a necessidade da ado-
ção de práticas sexuais protegidas, não somente em relação às DST/HIV/
aids, mas também à gravidez não planejada nessa etapa da vida, cujos
índices no Brasil se encontram bem elevados.
Recomendações
• Incluir e garantir a permanência do jovem e da criança portadora
do HIV no ambiente escolar;
• assegurar o direito ao sigilo do jovem portador;
• incentivar pesquisas sobre o comportamento do jovem portador
no sentido de subsidiar a formulação de ações e políticas para
este grupo;
• incentivar a prática de adoção de crianças e jovens órfãs da aids
e/ou portadores do HIV;
• fomentar programas de saúde específicos para o jovem portador; com vistas a:
• incentivar a adoção ao ARV; e
• acompanhamento psicológico, social e jurídico para o adolescente e sua família;
Num emprego deveria ser reconhecido o jovem portador para poder garantir
uma política de respeito aos direitos humanos, que a empresa se preocupe com
isso e treine as pessoas para se prepararem para viver com as diversidade...59
BRASIL UNESCO Cadernos
• garantir a inserção e permanência da criança e do jovem portadores nos programas sociais desenvolvidos pela sociedade civil e
pelo governo;
Um amigo meu dizia o seguinte: depende de como você tratar a menina ela
transa com você. Se for uma relação de paixão ela transa com você sem
camisinha, se se envolver, vamos ver como é isso...
• fomentar a criação de um programa de “primeiro emprego”
para o jovem portador, com incentivos à iniciativa privada; e
• instrumentalizar o jovem portador no desenvolvimento de habilidades para lidar com situações cotidianas na condição de
portador.
A gente tem na paixão um elemento que tira a camisinha da jogada. Quando
você junta a paixão com o ciclo da resposta sexual é mais complicado ainda
você negociar o preservativo.61
BRASIL UNESCO Cadernos
CONCLUSÕES
De acordo com dados do final do ano 2000, existem 36,1
milhões de pessoas, em todo o mundo, vivendo com HIV/aids,
sendo que 90% dessas pessoas estão em países em
desenvolvimento. A epidemia mundial afeta pessoas ricas ou
pobres, sem distinção de idade, sexo ou raça. Contudo, destaca-se
que as mulheres, os jovens e as crianças, sobretudo as meninas,
formamos grupos mais vulneráveis. Por essa razão, há umconsenso
global de que a pandemia do HIV/aids se constitui em uma
emergência para o mundo. Emergência que se configura como um
dos maiores desafios impostos à humanidade, fundamentalmente,
no que se refere à efetivação do exercício dos direitos humanos
dos cidadãos e das cidadãs de todo o planeta, além de estar sendo
considerada como uma dos principais entraves para o crescimento
e desenvolvimento social e econômico dos diferentes continentes,
comprometendo desde o nível nacional até o individual.
O UNAIDS anunciou recentemente que o número de
mortes por aids no ano 2000 no Brasil é um terço do número
registrado em 1996. No mesmo relatório que aponta estes dados,
divulgado na semana que antecedeu a Conferência de Barcelona
(7 a 12 de julho de 2002), uma informação nada otimista nos leva
a uma reflexão: a aids deverá causar a morte de 65 milhões de
pessoas até 2020 – mais do que o triplo de mortes registradas nos
primeiros 20 anos da epidemia. O Brasil, nesse caso, tem
demonstrado o valor do seu trabalho na direção certa e dos esforços
em favor de um grande objetivo, cujos resultados têm trazido
grandes benefícios para toda a sociedade brasileira e,
principalmente, tem servido de exemplo para o mundo.62
série EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE volume 1
Em junho de 2001, foi realizada, em Nova York, a vigésima
sexta sessão extraordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas
sobre HIV/Aids (UNGASS). Lá estiveram reunidos Chefes de
Estado e de Governo, Representantes de Estados, Governos e da
Sociedade Civil Organizada, de todos os países do mundo, para
discutir os problemas e as graves repercussões da pandemia, bem
como estabelecer compromissos e pactos que possam garantir a
intensificação dos esforços em torno de respostas globais
contundentes em relação ao HIV e a aids.
Em relação ao grande contingente mundial de jovens
afetados pela aids, os participantes da UNGASS declararam o
compromisso de enfrentar os efeitos e desafios colocados pela
pandemia do HIV/aids adotando, dentre outras, as seguintes
medidas
1
:
1. A prevenção deve ser o esteio da nossa resposta
52. Até 2005, garantir : a existência, em todos os países, em especial nos
países mais afetados, de uma vasta série de programas de prevenção que tomem
em consideração as circunstâncias, a ética e os valores culturais locais, incluam
informação, educação e comunicação, nas línguas que as comunidades
compreendam melhor, e respeitem as culturas, destinados a reduzir os
comportamentos de risco e incentivar um comportamento sexual responsável.
Este compromisso vemreforçar oMarco de Ação deDakar
2
,
que se propõe a alcançar objetivos e metas da Educação para Todos
os quais reafirmam que a educação é um direito fundamental e
constitui a chave para o desenvolvimento sustentável de uma nação.
Sendo a aids uma ameaça para o desenvolvimento, a educação
1
Declaração de Compromisso Sobre o HIV/Aids. Crise Mundial – Resposta
Mundial. Documento elaborado na Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações
Unidas sobre o HIV/Aids, no período de 25 a 27 de junho de 2001, na
cidade de Nova York.
2
Fórum Mundial de Educação, realizado em Dakar, Senegal, no período de
26 a 28 de abril de 2000.63
BRASIL UNESCO Cadernos
preventiva se insere nesta perspectiva como uma prioridade. “Os
programas para o controle e a redução da difusão do vírus devem
fazer o máximo uso do potencial da educação para transmitir
mensagens sobre a prevenção e para mudar atitudes e
comportamentos
3
.“
2. A realização dos Direitos Humanos e das liberdades
fundamentais para todos é essencial para reduzir a
vulnerabilidade ao HIV/aids.
58. Até 2003, promulgar, reforçar ou fazer cumprir, consoante seja o caso,
regulamentos e outras medidas para eliminar todas as formas de discriminação
contra as pessoas que vivem com o HIV/aids e os membros de grupos
vulneráveis, bem como para garantir que gozem de todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais e, em especial, garantir-lhes o acesso a, entre outras
coisas, educação, direitos sucessórios, emprego, cuidados de saúde, prevenção,
apoio, informação e proteção legal, respeitando a sua privacidade e
confidencialidade, e criar estratégias para combater o estigma e a exclusão
social ligados à epidemia;
3. A prioridade de resposta deve ser dada àqueles que se
encontram numa situação de vulnerabilidade. A capacidade
de agir da mulher é imprescindível para reduzir a
vulnerabilidade.
62. Até 2003, a fim de complementar os programas de prevenção de
atividades que expõem as pessoas ao risco de infecção pelo HIV, tais como
o comportamento sexual de risco sem proteção e o uso de drogas injetáveis,
ter estabelecido, em todos os países, estratégias, políticas e programas que
identifiquem e comecem a fazer algo em relação àqueles que tornam as pessoas
especialmente vulneráveis à infecção pelo HIV, nomeadamente, o
subdesenvolvimento, a insegurança econômica, a pobreza, a falta de
autonomia da mulher, a falta de instrução, a exclusão social, o analfabetismo,
3
Educação Para Todos: O Compromisso de Dakar. – Brasília: UNESCO,
CONSED. – pág. 1764
série EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE volume 1
a discriminação, a falta de informação e/ou produtos de autoproteção, todos
os tipos de exploração sexual de mulheres, meninas e rapazes, inclusive com
fins comerciais; essas estratégias, políticas e programas deverão ter em conta a
dimensão da epidemia em termos de gênero, especificar as medidas que irão
ser tomadas para combater a vulnerabilidade e fixar os objetivos a atingir ;
63. Até 2003, criar e/ou reforçar estratégias, políticas e programas que
reconheçam a importância da família na redução da vulnerabilidade, entre
outras coisas, pela educação e orientação das crianças, e tomem em consideração
os fatores culturais, religiosos e éticos para reduzir a vulnerabilidade das
crianças e dos jovens: garantindo o acesso, tanto de rapazes como de moças, ao
ensino primário e secundário, com programas de estudos para adolescentes que
incluam o HIV/aids; proporcionando ambientes seguros e protegidos, em
especial para as jovens; expandindo os serviços, de alta qualidade e dirigidos
para os jovens, de informação e educação sobre saúde sexual e aconselhamento;
reforçando os programas de saúde reprodutiva e sexual; e, na medida do
possível, envolvendo as famílias e os jovens no planejamento, execução e
avaliação de programas de cuidados e de prevenção do HIV/aids;
4. Combater o HIV/aids é investir no desenvolvimento sustentável.
68. Até 2003, avaliar o impacto econômico e social da epidemia do HIV/
aids e estabelecer estratégias multissetoriais para resolver esses impactos
ao nível das pessoas, famílias, comunidades e nações; estabelecer e acelerar
a execução de estratégias nacionais de erradicação da pobreza para fazer
frente ao impacto do HIV/aids nos rendimentos familiares, meios de
vida e acesso a serviços sociais básicos, prestando uma atenção especial às
pessoas, famílias e comunidades afetadas gravemente pela epidemia;
estudar os impacto social e econômico do HIV/aids em todos os níveis da
sociedade, em especial, nas mulheres e nos idosos, sobretudo no seu papel
de prestadores de cuidados e no âmbito das famílias afetadas pelo HIV/
aids e satisfazer as suas necessidades especiais; ajustar e adaptar as
políticas econômicas e de desenvolvimento social, nomeadamente as políticas
de proteção social, de modo a resolverem os impactos do HIV/aids no
crescimento econômico, na prestação de serviços econômicos essenciais, na
produtividade da mão-de-obra, nas receitas dos governos e nas pressões
que geram déficites dos recursos públicos;65
BRASIL UNESCO Cadernos
Essas metas reforçam a importância do GT Jovem no
cenário dos novos tempos de aids. Implementar políticas e
programas no Brasil que adotem estratégias no qual o
protagonismo juvenil seja o eixo central, é uma tarefa e um
compromisso conjuntos entre Governos, Sociedade Civil
Organizada e Agências de Cooperação Internacional.
Esta experiência de outorgar a responsabilidade ao jovem,
convidando-os a refletir sobre a resposta nacional à epidemia
nos mostrou, na constituição deste Grupo de Trabalho Jovem,
que a juventude participante de movimentos sociais está sensível
ao desenvolvimento de habilidades para a vida, necessitando de
uma orientação que os faça reconhecer o seu valor, adquirindo
assim uma postura diferente perante a própria existência.
Este trabalho com os jovens se coaduna com o mandato
da UNESCO, na medida em que sua concepção e implementação
estiveram embasadas nos quatro princípios-pilares do
conhecimento
4
:
Aprender a conhecer: de acordo com Delors, aprender a
conhecer significa buscar o domínio do conhecimento. Desta
forma, o trabalho do GT Jovem se aplica à proposta de
fortalecer o conhecimento do grupo e suas capacidades de
mobilização, para que aprendam como continuar a aprender ao
longo de toda a vida.
Aprender a Fazer : de maneira indissociável do aprender a
conhecer , aprender a fazer relaciona-se com as questões de
utilização de metodologias e tecnologias que ampliam os
resultados do trabalho.O uso de ferramentas tecnológicas, aliadas
4
“Para dar resposta esperança que todos temos de uma nova educação para o próximo
milênio, a Comissão presidida por J. Delors chegou à conslusão que a educação deve ser
organizada em quatro princípios-pilares do conhecimento”. (Abrindo Espaços, Edições
UNESCO 2001, pág. 9) Os princípios citados estão no Rela tório Delors.66
série EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE volume 1
à convivência em grupo e à produção intelectual, contribuíram
significativamente para a ampliação do horizonte destes jovens
no que diz respeito às ações preventivas que desenvolvem, assim
como para suas expectativas no campo profissional.
Aprender a Viver Juntos : esta aprendizagem é compreendida
como um dos maiores desafios da educação. OGT Jovem trabalhou
na perspectiva de conhecer seus semelhantes e suas realidades,
reconhecendo o outro e atribuindo-lhe significado a partir da
compreensão das diversidades sociais e culturais. Assim, foi possível
chegar a um consenso para a proposição das recomendações
dispostas nesta publicação.
Aprender a Ser: os jovens foram valorizados a partir do trabalho
que já desenvolviam antes de suas participações neste grupo. Sendo
assim, foram reforçados e estimulados a desenvolverem seus
pensamentos para que reagissemcomo atores responsáveis pela própria
atuação. Aprender a ser relaciona-se com desenvolver o protagonismo
existente em cada um.
O mais evidente desejo dos jovens deste Grupo de Trabalho
é o de participar integralmente, e de maneira igualitária, nas
resoluções concernentes ao mundo em que vivem. Todos se
percebem como capazes de contribuir assumindo responsabilidades
a partir dos papéis que desempenham na família, na universidade,
no trabalho, no ambiente de lazer e nos mais diversos espaços
educativos.
A prevenção pela educação será sempre a chave para a
redução do índice de novas infecções pelo HIV. Foi consenso nas
discussões durante a concepção desta publicação que, toda e
qualquer intervenção preventiva deve ser adaptada às condições
das populações, assim como devem contemplar as questões de
gênero, as diferenças entre as áreas urbanas e rurais, as diferenças
entre os jovens inseridos no ambiente da escola e fora dela – questões
estas que permeiam todas as dimensões da educação preventiva67
BRASIL UNESCO Cadernos
para o HIV. Mais do que nunca, os criadores de políticas precisam
envidar esforços para que os jovens possam ser ouvidos em suas
necessidades e, não menos importantes, em suas idéias que podem
ser respostas que contribuem para o desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, temos boas possibilidades de sucesso, pois o
Brasil possui umprograma consagrado nacional e internacionalmente
e uma Sociedade Civil Organizada dinâmica que tem participado
destacadamente na construção da resposta brasileira à epidemia do
HIV/aids.
É importante ressaltar que esta publicação é, sobretudo, um
instrumento de mobilização política que será usado por jovens
lideranças, profissionais de educação e saúde, formadores de opinião,
Organizações da Sociedade Civil e pelo Poder Público, na tentativa
de consolidar práticas educativas e políticas em relação a epidemia.
E é nessa perspectiva, que a UNESCO e o UNAIDS se
firmam cada vez mais como agentes indutores de mudanças sociais,
facilitando o acesso à informação, promovendo a conscientização
emprol do desenvolvimento e contribuindo para possíveismudanças
de comportamento das populações jovens em todo o mundo.

@Juventude_PTN